Veja abaixo:
As Viagens de Gulliver:

Um dispositivo conceitual e
simbólico para Viagens





OS MAPAS CHINESES ENFIM...
gavinmenzies.net

A REDESCOBERTA das navegações chinesas de 1418-1433 são mais um paradigma de inversão antropológica: os Chineses como primeira civilização científica, a China e o Pacífico como Centro do Mundo, os Chineses como possíveis primeiros navegantes colonizadores...

O Almirante inglês Gavin Menzies pesquisou em vários lugares do mundo este período em que o Império Chinês construiu uma frota de barcos de junco maior que a dos hispânicos ao início do séc. XVI - comparável somente à que estes teriam no séc. XVII. Os barcos de junco tinham menor governabilidade que as caravelas, porém eram muito maiores, e podiam ficar muito mais tempo no mar.
Em seu livro, Menzies nos conta como estes barcos navegaram pelo Índico e Pacífico nas duas décadas iniciais do séc. XV, quando uma missão conjunta de quatro frotas chinesas partiu da Costa Leste da África, rumo ao Atlântico sul e norte, e ao Pacífico norte e sul, deixando os traços que foram reencontrados agora nos Açores e Porto Rico.
Em 1433 a dinastia e o Imperador foram derrubados porque havia excesso de desperdício na corte e na economia chinesa, sendo as enormes instalações para os barcos de junco uma das principais razões para o déficit econômico, uma vez que as expedições não eram de conquista militar, não trazendo bônus coloniais.
Com o novo Imperador (resultante de uma revolução camponesa) foi decidido que a China não faria navegações para o exterior longínquo: os estaleiros de junco foram desmontados, as navegações perderam seu valor histórico, e os mapas foram dispersos...
A razão que teria o Imperador para não seguir a lógica colonialista já é outro exemplo de descentramento antropológico.




Lilipute concentra todas suas forças para conter, dominar e conhecer o
desafortunado gigante


GULLIVER, 1992

Quando foi encarregado da tradução brasileira do livro de aventuras interestelares do canadense Oscar Magocsi, o autor foi se dando conta da necessidade de se comparar esse tipo de relato com os primeiros relatos de viagens “trans-européias” do Renascimento. Ou seja, a desconfiança inicial dos europeus para aqueles relatos, é comparável ao modo como esses outros relatos são lidos por nós, como estranhos à modernidade e seus paradigmas, a exemplo ainda dos relatos de viagens “extraterrenas” do californiano George Adamski, da sul-africana Elizabeth Klarer, ou do Juiz Freitas Guimarães, um brasileiro de Santos, todos aqui devidamente relidos.

Um outro paradigma é o de Hans Staden, apresentado na conclusão de seu livro de aventuras no litoral brasileiro nos anos 1550-1555: “Ademais posso bem imaginar que o conteúdo deste livrinho pareça a muitos fantástico. De quem a culpa? De resto não sou o primeiro e nem serei o último que pode conhecer tais travessias, terras e povos. Os que me precederam, não colheram sua experiência através de sorrisos, e futuramente será o mesmo. Porém ninguém admitirá que aqueles que arriscam a vida e enfrentam a morte sintam do mesmo modo que aqueles que se conservam à margem, observando, ou aqueles que ouvem contar.”

É exatamente nesse contexto que surgem as Viagens de Gulliver, de 1726, onde, por uma inversão ótica, são os próprios europeus que reaparecem fantásticos e um tanto dignos de compadecimento. De uma forma equivalente, o presente livro, uma ótica swifteana tanto quanto uma releitura do próprio Jonathan Swift, se abre como um mosaico irregular, onde são novamente postas em cena as velhas questões antropológicas da diferença, do contato e da distância, da possibilidade de conhecimento antropológico; mas também, quase inapelavelmente, do desconhecimento, da desconfiança e do preconceito.

Não apenas os paradigmas e as proposições científicas da modernidade podem ser revistos, mas, o que é mais difícil, como organizar a política dos enunciados, isto é, a política do que pode ser dito? O que continua sendo verdadeiro por força das circunstâncias, sem ter sido verificado, ou o que poderia ser verificado, mas não é verdadeiro, devido a uma política que não é nem a da linguagem nem da ciência? Como situar em relações comparativas os diversos estilos dos enunciados: o dos estrangeiros que agora falam de nós; nosso velho enunciado sobre os estrangeiros; o do imaginário do cidadão comum; o do real descrito pela cultura pop; o da ontologia científica; o dos serviços secretos de inteligência que criam enunciados de contra-informação intencionalmente falsos; e o dos pesquisadores civis que denunciam a contra-informação e se auto-intitulam “ufólogos” - numa típica cena swifteana?

Não é de surpreender que o autor tenha recorrido a tantas formas literárias diferentes, uma vez que é todo o campo antropológico que está se movendo. Entre todas as experiências que lhe serviram de referência estão os cursos de Jornalismo Comparado, ministrados no Centro Unificado Profissional, Rio de Janeiro, 1977; os trabalhos de tradução; a constante contribuição como articulista na imprensa de Petrópolis desde 1986; as palestras free-lancer da Universidade Livre do Rio de Janeiro desde 1987; além, é claro, das infindáveis buscas em arquivos de bibliotecas desiguais.



Mapa de 1418? Teria sido copiado em 1763


As Viagens de Gulliver


Os relatos de viagens e encontros com “extraterrestres” da forma humana dos anos 50 receberam um tratamento realmente semelhante ao que receberam os relatos-de-viagem da época do descobrimento. Marco Pólo e Hans Staden, por exemplo, são os casos mais famosos, nos quais os relatos foram recebidos com desconfiança, mas também, de certa forma, com ciúmes europeus, ou como contestações da forma européia, que pareciam irritantes ou por demais bizarras...


Nesse caso, a chamada “ufologia” é diferente, ela cultiva um certo mistério, e uma certa incompetência, tratando só de encontros fortuitos – anos 80 – com “extraterrestres” do tipo “cinzas”, que fazem sequestros e não são de nossa forma humana. Os semelhantes da forma humana apareceram em maior escala nos anos 50 entre nós, tentando uma aceitação que não foi obtida. Eles continuaram atuando nos bastidores, e deixaram para o público somente essses relatos que são analisados, e que os “ufologistas” engavetaram. Nesse caso, p. ex., os “cinzas” deixaram marcas, mas nunca relatos...

Já em Elizabeth Klarer, p. ex., Oscar Magocsi, George Adamski, Juiz Freitas Guimarães, etc, os relatos e testemunhos são tão importantes quanto fotos ou desenhos.

Essa condição dos relatos-de-viagem permaneceu durante todo o séc. 16, mas aos poucos, durante o século 17, o mistério sobre os povos não-europeus foi se dissipando, embora não inteiramente, por causa de todos os preconceitos, etnocentrismo, e orgulhos colonialistas.

A isso podemos chamar de contraste antropológico: os europeus projetam suas auto-imagens sobre os povos não-europeus; por sua vez, a diferencialidade dos não-europeus provoca (indesejáveis) revisões dos conceitos europeus...


Escrevendo em 1726, o irlandês Jonathan Swift, faz a sátira filosófico-literária dos contrastes antropológicos dos séculos anteriores nas Viagens de Gulliver (Gullible em inglês quer dizer crédulo). São quatro viagens nas quais ele sempre naufraga, para se deparar em seguida com um Exótico País:

(Dar uma olhada numa das edições populares com as 4 viagens. Nas edições eruditas, ficamos sabendo das dezenas de alusões satíricas aos costumes, à política e à sociedade inglesa.)

1) Lilipute, os homens são pequeninos; têm a Ilha semelhante de Blefuscu como o país adversário.

2) Brobdingnag, inversão, os homens o põem na palma da mão, têm doze metros

3) Laputa: Grande Ilha Voadora, redonda, metálica, e mantida por magnetismo – primeira descrição histórica de um disco-voador

3.1) Balnibarbi: Ilha governada por Laputa, onde existe a Real Academia de Lagado, sátira da nascente Royal Academy of Sciences

3.2) Glubbdubdrib: País dos Feiticeiros

3.3) Luggnagg: País dos Strudbulggs, que envelhecem mas nunca morrem

3.4) Japão...

4) País dos Houyhnhnms: onde os habitantes são cavalos, muito educados, civilizados e corteses. Nesse país, as bestas têm a forma humana

Nesses países, o que ele encontra sempre é a corte inglesa, e sociedade, transfiguradas.

A sátira e a filosofia do séc. 18 são assim contemporâneas do momento em que, tanto os europeus têm que assimilar a diferença antropológica do resto do mundo, quanto também estabelecem uma ciência antropológica sobre os outros baseada em seus pressupostos e limitações.

Os relatos sobre os encontros com “terrestres” e “extraterrestres” da forma humana (principalmente nos anos 50) passam agora tipicamente pelo mesmo processo.


Neste Gulliver, 1992, a Geografia de Swift está projetada nos satélites de Júpiter e Saturno:

1) Lilipute está em Minos

2) Brobdingnag está em Titan

3) Laputa está em Europa

4) Glubdubdrib está em Umbriel

5) Houyhnhnms está em Ariel

E está projetada conceitualmente na Geografia da Terra como definições nacionais, tipológicas e antropológicas:

1) Lilipute, tão gigantesca, tem gente de mentalidade pequena, representa o Ocidente Europa e EUA, enquanto Blefuscu é o antigo bloco comunista, URSS e China

2) Brobdingnag, país dos revolucionários, território pequeno, mentalidade ousada

3) Balnibarbi, onde a ciência foi vitoriosa e orienta a sociedade

4) Glubdubdrib, país dos magos

5) Hoyhnhnms, país selvagem, onde os hippies foram buscar a Era de Aquarius

6) Lugnag e Japão, colônias